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Amo a vida de frila

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Por Maurício Oliveira

Adoro títulos que sintetizam o conteúdo do texto, então tasquei logo esse “amo a vida de frila” para deixar clara a minha posição. Dos meus 30 anos como jornalista, só fui funcionário de carteira assinada nos primeiros sete. Tornei-me frila em 2001, época em que pouca gente optava por trocar um emprego fixo pela suposta instabilidade da atividade como autônomo.

Nunca concordei com a associação entre a vida de frila e a insegurança, pois sempre considerei bem melhor estabelecer relações simultâneas com vários fornecedores de trabalho (de tal forma que a perda eventual de um deles não seria trágica) do que depender inteiramente de uma só empresa, que pode simplesmente demitir você da noite para o dia – e, aí sim, configurar-se a tal tragédia. Usei essa argumentação para convencer a minha mãe de que “freelancer” e “desempregado” não eram sinônimos, mas não sei se adiantou muito.

Assumi desde o início como frila um perfil eclético. Essa característica estava perfeitamente alinhada à principal razão que me levara a escolher o jornalismo como profissão: o encanto com a ideia de aprender coisas novas todos os dias, ter contato com os mais diferentes assuntos, conhecer pessoas interessantes das mais diversas áreas.

Graças à flexibilidade que a vida de frila me proporcionou, consegui realizar um leque amplo de atividades ao longo dessas três décadas – incluindo contribuições para os principais veículos da imprensa brasileira e a publicação de mais de 40 livros. Sempre encarei o processo de produção dos meus livros como grandes reportagens, até porque nenhum deles é de ficção. Mesmo como escritor, portanto, nunca deixei de ser jornalista.

Graças aos horários flexíveis, consegui conciliar o trabalho com o mestrado em História Cultural e integrei a primeira turma do doutorado em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – o que muito me orgulha, pois trata-se da minha alma mater, onde cursei a graduação no início da década de 1990. Essas incursões acadêmicas foram motivadas pela possibilidade de me dedicar a pesquisas aprofundadas, antídoto para a frustração com a superficialidade típica do jornalismo.

Fiquei tão conhecido no mercado como frila que fui convidado para escrever um livro sobre o assunto para a renomada coleção de jornalismo da Editora Contexto – Manual do Frila, o jornalista fora da redação, publicado em 2010. Muita coisa aconteceu de lá para cá, mas alguns princípios continuam os mesmos.

Um deles é a constatação de que mais de 90% das demandas de um frila vêm de pessoas com as quais ele já trabalhou. Mesmo com um bom currículo, abrir novas frentes sem conhecer ninguém é complicado. Sempre digo aos jovens estudantes de jornalismo que talvez seja melhor ter alguns empregos fixos antes de optar pela autonomia, justamente para estabelecer uma rede de contatos inicial.

Outro aspecto do Manual do Frila que continua valendo é: não adianta planejar muito. Como diz aquele velho poema, no hay camino, se hace camino al andar. Um contato leva a outro, uma porta que se abre leva à outra, um frila que parece ser uma roubada pode dar acesso depois a um frila maravilhoso (ou pode ser apenas uma roubada, mesmo). Além do mais, aquele colega ou aquela colega que estava num determinado lugar logo estará em outro. No jornalismo, graças aos céus, tudo sempre foi muito dinâmico.

Basta lembrar que, quando comecei como frila, 80% dos trabalhos que eu fazia eram para a Editora Abril, onde eu havia cumprido meu último vínculo com carteira assinada. Atualmente, não tenho mais qualquer ligação com essa empresa – que, como se sabe, passou por uma forte crise financeira e foi vendida. A transição não foi abrupta, entretanto. Os 80% viraram 70%, depois 50%, depois 30%, até evaporarem de vez. Tive tempo para ir abrindo novas frentes.

Ao revisitar meu livro quase 15 anos depois, percebo que as dificuldades da vida de frila também continuam mais ou menos as mesmas. Para quem ama o que faz, pode ser complexo encontrar a medida ideal do volume de trabalho a assumir. A sensação de que será impossível dar conta de tantas tarefas é uma fonte em potencial de ansiedade, mas funciona também como um grande impulsionador da produtividade. Depende de como cada um lida com o anjinho e o diabinho nos ombros.

Já cheguei ao ponto de estar escrevendo quatro livros ao mesmo tempo e ainda aceitando tarefas rápidas em meio a tudo isso. Não recomendo. Quando completei 50 anos, em 2022, assumi o compromisso comigo mesmo de diminuir o ritmo, mas não tem sido fácil – simplesmente porque a vida de frila, para mim, continua sendo tão apaixonante quanto no começo.

Maurício Oliveira, nascido em 1972 no Rio de Janeiro, trabalhou como repórter nos jornais O Estado e A Notícia, em Florianópolis, antes de se mudar para São Paulo, onde atuou na Gazeta Mercantil e na Revista Veja. Tornou-se freelancer em 2001. É autor de mais de 40 livros, incluindo Amores Proibidos na História do Brasil, Giuseppe Garibaldi – Heróis dos Dois Mundos, Patápio Silva – O sopro da arte, e Pelé – O Rei visto de perto. Hoje, além de continuar produzindo livros, escreve para cadernos especiais do Estadão e contribui regularmente com as revistas da Fiesc, da Chapel School e da Fapesp.

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